Sofro, mas eu vou te libertar: reflexões sobre o amor como liberdade

Uma reflexão sobre o amor como liberdade, vulnerabilidade e troca, mostrando que a sua verdade não está na eternidade, mas na profundidade

O amor não precisa ser eterno para ser verdadeiro. Ele vive nos pequenos grandes momentos que, cheios de significados, deixam marcas que perduram em cada pulsação do nosso ser.

Esse sentimento, tão intrínseco a nós mas também tão pouco compreendido em seu sentido real, mede-se não por sua longevidade, mas pela sua profundidade — pelos olhares trocados que atravessam cômodos e se entendem em segundos; pelos dedos das mãos que se entrelaçam e se acolhem em meio ao caos; pelas vivências mútuas que nos ensinam, dia após dia, como ser uma pessoa melhor ao aceitar o outro e entender o outro sem tentar encaixá-lo em nossas expectativas, acolhendo suas belezas e também suas falhas e complexidades.

Amar é, antes de tudo, um exercício de vulnerabilidade — e ser vulnerável é um dos atos mais corajosos que existem. Quando somos vulneráveis, nos despimos de todas as máscaras, permitindo que o outro enxergue uma crueza escancarada que, envolta na completude da nossa alma, abre portas que nos permitem irradiar nossas dores e imperfeições, mas também a beleza singular da nossa essência. Assim, expostos e frágeis, permitimos que o outro nos veja como somos, encontrando nessa aceitação — que deve ser mútua — um amor puro, imperfeito e humano. É como dizer: “Eu me permito ser visto porque confio que você cuidará da minha verdade, assim como eu cuidarei da sua”.

E quando eu falo de amor, não me refiro apenas ao amor romântico. Falo sobre qualquer relação de troca que, quando vulnerável e pura, carrega em si algo de único, irrepetível. Essa singularidade, aliada à constante mutabilidade da vida, nos ensina que estamos aqui para cultivar momentos e conexões, reconhecendo cada um desses raros instantes, ainda que efêmeros, como uma expressão de um amor que, assim como a própria existência, não é um conceito fixo, mas sim fluído e diverso quanto cada partícula que existe e flutua livremente por esse universo.

Então, partindo desse raciocínio, amar é, além de aceitar a vulnerabilidade do outro e se deixar ser vulnerável, também aceitar as diferentes fases e nuances de uma relação — podendo o amor ser, dessa forma, fugaz como a vida, em que a cada instante nada é como já foi mas, ainda assim, continua a existir na consciência eterna da existência. Assim, compreendemos que os ciclos nos convidam a aprender e a crescer, mesmo que, em alguns momentos, isso exija deixar o outro seguir o seu próprio caminho. Despidos de nosso ego, entendemos que não há ato de amor maior do que permitir que o outro seja quem precisa ser, mesmo que isso signifique abrir mão de ter essa pessoa ao nosso lado.

O ego nos faz querer amar pelo que recebemos, pelo que o outro nos oferece, e não pelo que o outro é em sua essência. Mas o que nós também oferecemos? E como fazer dessa troca algo que transcenda a vaidade, a posse e o controle? Somente respeitando, acolhendo e permitindo que o outro floresça em sua liberdade. É um paradoxo bonito: quanto mais livres somos para ser quem somos, mais profundos se tornam nossos laços com quem escolhemos amar — pois, na mesma medida, oferecemos ao outro a liberdade de exprimir sua essência de ser plenamente quem é.

É nessa escolha consciente, nesse espaço livre e aberto, que o amor encontra sua força. Porque amar é desejar, do mais profundo do seu ser, que aquele outro ser, despido de suas armaduras, se transborde da mais genuína alegria. E, às vezes, isso significa ter que soltá-lo, para que voe livremente, em busca do seu próprio caminho. Ainda assim, sabemos que o amor continuará a habitar em nós, leve e verdadeiro, pelo resto de nossas vidas.

Para finalizar, trago um trecho de “A Maçã”, em que Raul Seixas cantava:

– Sofro, mas eu vou te libertar.